segunda-feira, 14 de março de 2011

Campinas (SP): Trote universitário incentiva consumo consciente

Um grupo de alunos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem ajudado a dar uma nova função ao trote, a recepção aos ingressantes: a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. O Trote da Cidadania pelo Consumo Consciente incorpora atividades de visitas a cooperativas, distribuição de canecas para substituir copos descartáveis e mostras de peças produzidas com o reaproveitamento de materiais. Assim, além do tradicional cabelo raspado e a pintura no rosto, a preocupação ambiental passa a fazer parte do ritual de entrada para o Ensino Superior.

“A ideia é mostrar a quem está chegando a importância do reaproveitamento do material, a diminuição do chamado lixo eletrônico e que a vida de universitário pode, perfeitamente, estar relacionada ao voluntariado e à transformação social, envolvendo as questões ambientais”, explica a formanda do curso de pedagogia Michelli Regina Cavichia, uma das organizadoras do Trote da Cidadania deste ano.

A proposta, que já envolve 37 dos 39 cursos da Unicamp (só ficam de fora ciências sociais e história, que são contra os patrocínios necessários para as atividades), começou a ser esquematizado em 1998, na Faculdade de Engenharia de Alimentos. A princípio, só os calouros desse curso participavam de atividades voltadas, na época, à solidariedade e à filantropia. Eram feitas, por exemplo, serviços em organizações não governamentais (ONGs).

Em 2003, um aluno de engenharia elétrica, Ricardo Lomaski, fazia uma disciplina eletiva na Unicamp ligada à sustentabilidade e visitou uma cooperativa de reciclagem em Barão Geraldo, onde ficou sabendo que faltavam materiais para que os cooperados pudessem trabalhar e garantir o sustento. Lomaski, que hoje faz pós-graduação em Israel, reuniu os diretórios acadêmicos do seu curso, de pedagogia e de engenharia química para realizarem um trote que envolvesse a arrecadação de materiais recicláveis. A iniciativa foi bem recebida, trouxe resultados para a cooperativa e, desde então, cada ano com a participação de novos cursos, foram criadas outras atividades, sempre focando o meio ambiente e a solidariedade.

“Quando eu entrei na Unicamp, meu curso ainda não fazia parte do Trote da Cidadania. Mas logo no início, eu conheci a proposta e decidi me envolver. Entrei para a comissão organizadora, para que, no ano seguinte, os bixos (como são chamados os calouros) do meu curso também pudessem participar. Estamos fazendo a nossa parte”, lembra o estudante de matemática Reinaldo Hojo.

As atividades do projeto envolvem sempre a primeira semana de aulas, com programação para todos os dias. Neste ano, por exemplo, foram feitas visitas a estações de tratamento de esgoto, cooperativas e também foi montada, próximo ao restaurante universitário, uma feira de reaproveitamento de lixo eletrônico, com expositores que vieram até de outros estados. Além disso, os calouros também participaram de palestras e receberam uma caneca para diminuir o uso de copos descartáveis.

Fernanda Monteiro ingressou no curso de medicina. Apesar de ter passado também pelo trote tradicional, aprovou a nova forma de recepção. “Nesse sistema, a integração entre os alunos é muito legal. Ficamos conhecendo uns aos outros e, além disso, a gente vê, na prática, o que pode ser feito em questão de sustentabilidade”, diz.

A também caloura de medicina Mariana Desiderá tem opinião semelhante. “Achei muito bacana receber uma caneca de presente, para não usar copos descartáveis. Isso é uma prova concreta do que pode ser feito para preservar. Muitas vezes, o discurso é só teoria. Aqui, a gente vê ações práticas”, afirma.

Feira
Uma das atividades que mais chamaram a atenção não só dos ingressantes, mas também de alunos veteranos e até funcionários da universidade, foi a Feira de Lixo Digital. Em quatro barracas, foram apresentadas soluções para o reaproveitamento e o descarte correto de peças de computadores, celulares e até de equipamentos que já estão se tornaram raridade, como os toca-fitas.

Entre as iniciativas mostradas, esteve o trabalho da artesã Nana Hayne, que produz bijuterias a partir de placas de computadores, fios e tudo o que a tecnologia descartar. Com três disquetes e um pouco de linha, por exemplo, dá para criar uma bolsa. Com uma placa de celular e algumas peças de relógios velhos, ela cria uma pulseira. “Decidi aceitar o convite e participar do Trote da Cidadania para mostrar quantas matérias-primas diferentes nós temos e, às vezes, nem sequer sabemos. É uma forma de mostrar que aquilo que muita gente joga fora pode se tornar fonte de renda para grupos de pessoas”, destaca a artesã.

O Instituto Repensar, de Itatiba, na Região Metropolitana de Campinas (RMC), também montou uma barraca. Eles mostraram que já existe, na Europa, máquinas capazes de separar componentes de placas e promover o reaproveitamento. Na mesma linha, o jornalista Ricardo Salgado apresentou o trabalho de produção de brinquedos que realiza paralelo à sua atuação como assessor de imprensa da Secretaria de Meio Ambiente de Campos dos Goytacases, no Rio de Janeiro. Ele utiliza materiais descartados de equipamentos como os antigos walkmans e gravadores analógicos. Para mover os brinquedos, encontrou uma nova função para os carregadores de celular: são eles que levam a energia elétrica para movimentar as peças. “Sempre criei meus brinquedos quando era criança. De repente, percebi que estava ajudando a tirar do lixo uma série de peças”, diz.

O universitário de ciências biológicas Pedro Mata Junior diz que se surpreendeu com o trote. “Eu percebi que eu também posso ajudar. Para mim, que vim de fora, o trote foi importante porque conheci cooperativas e quero fazer um trabalho voluntário nessa área durante os anos da faculdade”, diz ele, que vem de Araraquara.

Instituição
O Trote da Cidadania é totalmente organizado por alunos veteranos, que vão à busca, inclusive, de patrocínios para as atividades e para o transporte do campus até os pontos de visitação. A iniciativa conta com o apoio da Unicamp. O reitor Fernando Costa, na recepção que fez aos ingressantes, na última segunda-feira, destacou a importância da proposta no mesmo discurso em que abordou a qualidade dos cursos e dos pesquisadores da instituição: “Estamos convencidos de que o trote convencional, muitas vezes humilhante, precisa ser substituído por ações inteligentes”. 

Fonte RAC.com.br

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